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Os Contos de Hoffmann

"Uma ópera é uma música que dura mais de 2 horas"
Resposta de um candidato em um vestibular de música.



  

       Se você não está familiarizado com óperas (assim como o vestibulando que disse a pérola acima), não há problema algum. Em poucas palavras, uma ópera é uma história, geralmente um drama encenado com todos os recursos teatrais, cenário, figurino e tem acompanhamento musical, onde música e texto se completam. Remete à tragédia grega, contudo a palavra ópera vem do latim "opus" e significa "trabalho", insinuando que as artes do canto, teatro, dança e declamação estão unidas em uma só obra.  Aqui vão algumas características típicas do enredo operístico: 






          Ok, o que foi escrito acima é apenas uma generalização despretensionsa. Cada ópera tem seu enredo e desdobramento, sem mencionar as Óperas Cômicas, ou Buffas que tem um caráter totalmente diferente e primam pelo bom humor no decorrer de sua história. 

       A ópera que comentarei aqui será “Os contos de Hoffmann” ("Les contes d'Hoffmann")do compositor romântico Jacques Offenbach, estreada na Ópera-Comique de Paris em 1881. Ao contrário de algumas óperas famosas, esta não está (muito) cheia de vingança, morte, sangue, traição e todos esses temas trágicos. Ela é leve e agradável tanto no enredo quanto na música.

          Esta ópera é dividida em cinco partes: Prólogo, Ato I, Ato II, Ato III e Epílogo. A história, como o nome já diz, baseia-se nos contos do poeta alemão E.T.A. Hoffmann (1776), especificamente os contos “Der Sandmann” (ato I), “Rath Krespel” (ato II) e  "Die abenteuer der Silvesternacht“ (ato III) e segue um ritmo não linear.  Esses contos são uma mistura de realidade com fantasia, onde personagens mágicos e com poderes convivem no mundo real. O leitor destes contos, ou o expectador dessa opera entrarão em um mundo no qual eles não conseguem distinguir onde termina a realidade e começa a fantasia e subjetividade, aspectos inerentes aos ideais do romantismo. Na ópera, o protagonista é o próprio Hoffmann, que contará três casos amorosos de seu passado.

*CONTÉM SPOILERS!*

Prólogo

As musas Melpomène, Érato et Polymnie
quadro do pintor frances Le Sueur, 1652.
      No prólogo nos é apresentado a Musa e sua intenção de conquistar o poeta Hoffmann, fazendo de tudo para que ele abdique de seus romances para dedicar-se somente à sua arte (pra quem desconhece mitologia grega, saiba que existem nove musas; deusas que representam a fonte do conhecimento, cada uma personificando uma arte específica. Ao que tudo indica a musa desta história é Érato, deusa da poesia). A maneira que ela encontra para alcançar seu objetivo é adquirir a aparência de Nicklausse, o melhor amigo de Hoffmann. 
     A cena se passa em uma taverna onde estudantes esperam pelo poeta Hoffmann, que chega logo em seguida junto de Nicklausse. Enquanto isso, Stella uma famosa cantora que no momento está se apresentando em uma casa de ópera por perto envia uma carta para Hoffmann pedindo que ele vá aos seus aposentos após terminar a apresentação e junto da carta está a chave do quarto. Contudo a carta é interceptada por Lindorf, admirador da cantora e  que pretende substituir Hoffmann no encontro. A pedido dos estudantes, o poeta conta uma historia que fala sobre seus três amores passados:


Ato I

        A espera de seus convidados, o inventor Spalanzani admira sua ultima e mais incrível invenção: trata-se de um autômato com aparência humana chamado Olympia. O primeiro convidado a chegar é Hoffmann, que sem saber que Olympia não é humana ao vê-la de longe se apaixona imediatamente (eu disse que em ópera se apaixona em questão de segundos!). Surge Coppélius, o cientista que ajudou a construir Olympia e vende para Hoffmann um par de óculos mágicos que o fazem vê-la como humana. Spalanzani e Coppélius discutem sobre os direitos sobre Olympia, e o segundo concorda em vender sua parte para Spalanzani, que dá um cheque se hesitar. 

       Depois que os outros convidados chegam, Spalanzani apresenta Olympia que canta a ária Les oiseaux dans la charmille (Os pássaros na árvore) acompanhada por ele na harpa, onde de tempo em tempo era necessário dar corda à boneca para que ela continuasse a cantar ainda que desengonçada. Logo em seguida, todos deixam a sala para ir ao jantar, e ficam apenas Olympia e Hoffmann que se declara para ela acreditando que o sentimento é recíproco.  Nicklausse (a musa disfarçada de melhor amigo) o adverte e questiona se realmente Olympia era um ser vivo, sem sucesso. Ao descobrir que o cheque não tinha fundos, Coppélius retorna ao baile onde vê Hoffmann que dançando com Olympia, se desequilibra e derruba seus óculos que se quebram ao cair no chão. Aproveitando a oportunidade Coppélius agarra Olympia e a destrói em pedaços na frente dos convidados e de Hoffmann especialmente, que somente agora percebe que Olympia não era humana.


A soprano coreana Kathleen Kim, como Olympia


Les oiseaux dans la charmille
Os pássaros cantam nas árvores
Dans les cieux l'astre du jour,
Para o sol, a estrela do dia,
Tout parle à la jeune fille d'amour!
Enquanto conversam com a jovem garota!
Ah!
Voilà la chanson gentile
Ah! Eis aí a suave canção
La chanson d'Olympia!
Ah!
A canção de Olympia! Ah!
Tout ce qui chante et résonne
Tudo que canta e ressoa
Et soupire, tour à tour,
E suspira, à sua maneira,
Emeut son coeur qui frissonne d'amour!
Anima o coração que se arrepia de amor!
Ah! Voilà la chanson mignonne
Ah! Eis aí a delicada canção
La chanson d'Olympia! Ah!
A canção de Olympia! Ah!
(minha tradução livre e amadora)



Ato II


      Crespel mudou-se para Munique a fim de terminar o relacionamento de sua filha Antonia com Hoffmann. Sentada ao cravo ela canta uma música calma e introspectiva, seu pai ao ouvi-la pede encarecidamente que pare de cantar devido à misteriosa doença que a aflige e só piora e a enfraquece quando ela canta. Ao encontrar a nova casa, Hoffmann não hesita em tentar um encontro com Antonia, embora Nicklausse o aconselhasse a esquecê-la e dedicar-se unicamente à poesia. Quando Crespel deixa a casa, Hoffmann aproveita para entrar sorrateiramente e se encontrar com Antonia. Ele sem saber da doença, sempre a incentivou a cantar e investir em uma carreira musical. 

Antonia e Dr. Miracle
     Lyric Opera of Chicago, 2011
   
    Ao retornar, Crespel recebe a visita do Dr. Miracle que tratou de sua esposa, uma cantora famosa e a deixou morrer, e agora insiste em examinar Antonia. À espreita, Hoffmann ouve tudo e entende agora sobre a doença da amada. Quando todos vão se deitar, Hoffmann se encontra com Antonia e pede que ela deixe de cantar pelo bem dela. Assim que ela fica sozinha, Dr. Miracle reaparece e persuade a garota, dizendo que era o desejo de sua mãe que ela tivesse uma carreira como cantora, e através de magia, ele faz com que a imagem de sua mãe apareça e peça isso à garota, convencendo-a a cantar e definhar até a morte. Ao ouvir o canto, Crespel chega apenas a tempo de ver o ultimo suspiro de sua filha, logo em seguida Hoffmann chega e vê Antonia morta.






Ato III


        Em um palácio à beira do grande canal em Veneza, a cortesã Giulietta se une a Nicklausse em um passeio de gôndola acompanhada de Hoffmann. Após o passeio, a cortesã convida os dois para um jogo de tabuleiro no palácio. Na verdade, a cortesã está apenas seduzindo o poeta a pedido do capitão Depertutto, que prometeu dar-lhe um diamante se ela conseguisse roubar o reflexo de Hoffmann para o capitão.  Schlenil o amante e vitima anterior de Giulietta e do capitão Depertutto, sente ciúmes da atenção dada a Hoffmann por ela.  A cortesã finalmente consegue seduzir Hoffmann que no momento encontra-se apaixonado e rouba seu reflexo, no mesmo momento, Depertutto comenta sobre a palidez do poeta, que ao olhar no espelho percebe que não tem mais reflexo e caiu na armadilha. Após o ocorrido, Hoffmann pede a Schlenil as chaves dos aposentos de Giulietta, o amante enciumado nega e os dois partem para um duelo onde Schlenil acaba morto. Ao conseguir a chave, o poeta entra no quarto da cortesã e o encontra vazio. Ao retornar ao palácio ele vê a cortesã partindo com um novo admirador e vítima.


"Barcarolle, belle nuit, ô nuit d'amour" é a ária mais famosa da ópera.

"Bela noite, oh noite de amor
que sorri para nossa felicidade!
Noite mais doce do que o dia
Oh bela noite de amor!
O tempo passa e leva para longe
nossos tenros carinhos para sempre.

O tempo voa para longe deste feliz oásis
e nunca mais retorna,
Queime Zéfiro e 
nos abrace com seus carinhos!
Queime Zéfiro e nos dê seus beijos,
Seus beijos, seus beijos, ah!

Bela noite, oh noite de amor

que sorri para nossa felicidade!
Noite mais doce do que o dia
Oh bela noite de amor!

Ah, ah, ah!"
(minha tradução livre e amadora II)





Epílogo


       Hoffmann termina seus contos, e quer apenas beber e esquecer-se de tudo. Nicklausse revela que cada história reflete diferentes características de uma só mulher, Stella.  Cansada de esperar, a cantora vai até a taverna e encontra o poeta bêbado e confuso. Stella parte com Lindorf, que interceptou a carta e Hoffmann canta um ultimo verso enquanto eles se vão.  A taverna esvazia e apenas a musa permanece, realizando finalmente o desejo de ter o poeta somente para sua arte. 

    Como acontece com todas as historias que são recontadas várias vezes por pessoas diferentes em lugares diferentes, neste resumo que fiz provavelmente existirão divergências no decorrer do enredo e até mesmo no final, que irão variar de acordo com a companhia operística, diretor, figurino e outros aspectos. Cada montagem é singular e remete à interpretação e ao teor artístico e estético do diretor sobre o texto.


O COMPOSITOR

Jacques Offenbach: Nasceu em 1812 em Köln, Alemanha. De origem judaica mostrou talento para música desde pequeno. Entrou para o Conservatório de Paris ainda jovem, foi um renomado cellista que depois dedicou-se à composição. Dentre suas obras mais famosas pode-se citar “Orfeu no Inferno” uma paródia do mito de Orfeu e Eurídice que estreou com enorme sucesso em Paris. Uma curiosidade é que como todos os compositores de origem judaica, durante o Nazismo, a obra de Offenbach foi imensamente repudiada e proibida em território germânico. 





Referências Bibliográficas

SADIE, S. Dicionário Grove de Música. 1. ed. São Paulo: Jorge Zahar, 2001.
LEVIN, David. 1959. History as Romantic Art: Bancroft, Prescott, and Parkman. Stanford Studies in Language and Literature 20, Stanford: Stanford University Press. Reprinted as a Harbinger Book, New York: Harcourt, Brace & World Inc., 1963. Reprinted, New York: AMS Press, 1967.
SAMSON, Jim. 2001. "Romanticism". The New Grove Dictionary of Music and Musicians, second edition, edited by Stanley Sadie and John Tyrrell. London: Macmillan Publishers.
RUMMENHÖLLER, Peter. 1989. Romantik in der Musik: Analysen, Portraits, Reflexionen. Munich: Deutscher Taschenbuch Verlag; Kassel and New York: Bärenreiter.
SPENCER, Stewart. 2008. "The 'Romantic Operas' and the Turn to Myth". In The Cambridge Companion to Wagner, edited by Thomas S. Grey, 67–73. Cambridge and New York: Cambridge University Press.
WEHNERT, Martin. 1998. "Romantik und romantisch". Die Musik in Geschichte und Gegenwart: allgemeine Enzyklopädie der Musik, begründet von Friedrich Blume, second revised edition. Basel, Kassel, London, Munich, and Prague
The Metropolitam Opera 
Disponível em: http://www.metoperafamily.org/metopera/
Acesso em: 05 de Dez. 2012.
Boston Arts & Entertainement
Disponível em: http://www.boston.com/ae/theater_arts/
Acesso em: 02 de Dez. 2012.
Erin Wall
Disponível em http://www.erinwall.com/gallery.cfm#/
Acesso em: 05 de Dez. 2012.

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2 Comentários

  1. Excelente texto! Estava procurando exaustivamente por um resumo desta opera, e quando já estava quase desistindo, encontrei este aqui. Agradeço ao autor por telo feito, só me fez ter mais vontade de poder assisti-la.

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